11 outubro 2010

Quando prazer e amor são um erro

Tudo começa com uma generalização homofóbica: Os gays são promíscuos. Como se não bastasse a homofobia, em si, ser uma coisa estúpida, generalizações são uma excelente maneira de deixá-la ainda mais. E podemos encontrar várias outras tão preconceituosas quanto. Algumas gozam até de certo status, como atestado (falso, é claro) de pensamento crítico: Todo político é ladrão. A justiça neste país não funciona. As religiões são o atraso da humanidade. Homens são mais erotizados que as mulheres. As mulheres são mais sensíveis que os homens.
Quantas frases feitas como essas você tem no seu repertório cognitivo diário? E quantas você pensa antes de usar? Estou perguntando porque a generalização da “promiscuidade gay” parece ser uma das preferidas de serem desconstruídas pela grande maioria dos homossexuais, mas outras, nem tanto. É claro, eu não poderia querer que fôssemos mais esclarecidos que a média da população. No entanto, o meu assunto neste momento é outro. Quero falar do próprio processo de quebra da “generalização da promiscuidade”.
Essa situação, a princípio, me lembra o que acontece quando “acusam” alguém de ser gay e logo vem “a turma do bem” dizer que não… que o indivíduo acusado não é gay, essa coisa feia e horrorosa. Assim como essa defesa presume que ser gay é um demérito a ser evitado, o que o senso comum chama de “promíscuo” é rotineiramente taxado de errado por quem se presta a desconstruir a generalização da “promiscuidade gay” com os argumentos errados, recusando-se a se despir os mesmos preconceitos de quem faz as acusações. Aí nos sobra uma onda de moralismo gay, cuspindo no prato das liberdades sexuais, quando as conquistas desta nos interessam muito mais do que a mera substituição de imposições morais. Vejamos como isso funciona.
No afã de lutarem contra o pensamento homofóbico, que enxerga caricaturas em tudo do mundo gay e as exagera ao nível de uma depravação sexual completa, muitos gays defendem, inversamente, uma postura de “bom moço” que deixaria para trás os mais cavalheiros príncipes encantados dos contos de fadas, daqueles que são felizes para sempre com o primeiro amor. O mágico, o inefável, o perfeito primeiro e único amor.
Bradam eles que os gays não são promíscuos, são monogâmicos, fiéis e românticos, tanto quanto os modelos heteronormativos de par perfeito, e que os “depravados” são a exceção indesejável – Os responsáveis pelo preconceito sofrido por todos, completam alguns. Dizem esses arautos do “bom mocismo” gay que os os gays “têm que se dar ao respeito para serem respeitados”.
Essas frases soam familiares para todos? Porque pra mim elas são bastante. E me encho de desgosto quando leio ou escuto coisas assim, porque são as mais fatais em demonstrar que mesmo o combate ao preconceito pode ser preconceituoso, moralista.
Aponto esse dedo contra o moralismo porque… O que é promiscuidade? A maioria das pessoas pensa em excesso de parceiros, opção por relações puramente sexuais, infidelidade, ou mesmo safadeza pura e simples. Mas o ponto principal aqui é: Quem foi que disse que essas coisas são ruins, para termos que evitá-las tanto?
Alguém que tenha muitos parceiros sexuais, e que pratique esse sexo de maneira responsável, não está fazendo nada errado. Quem opta por contatos voltados apenas para o sexo também não, desde que não iluda os sentimentos dos outros pra isso. Infidelidade? Ela pode vir do namorado recém-conquistado ou do companheiro de 20 anos. Pode vir desse companheiro com uma ou com trinta pessoas. E isso porque você só pode ser considerado fiel ou infiel em relação a um pacto pré-determinado entre ambas as partes, sendo que a questão é de manter a palavra, e não de transar ou não transar.
A relação dessas coisas com a tal da “promiscuidade” é meramente uma maneira de arranjar um termo “guarda-chuva” que cubra várias coisas ditas ruins, dessas que a moral despreza, ou é algo específico, que designe algo por si só? A promiscuidade existe, afinal?
De acordo com o que temos mais próximo de um critério objetivo, que seria o critério de número seguro de parceiros sexuais para quem pretende doar sangue, se você teve mais de três parceiros num ano, já pode ser considerado promíscuo. Uau. Se brincar, até uma vovó viúva que sai pra namorar nos bailes de terceira idade já pode ser considerara promíscua agora. Ficaram chocados? Eu e essa vovó também. Tudo puta!
Percebam que isso é arbitrário. Não há objetividade alguma nos julgamentos acerca disso, e isso fica ainda mais evidente quando falamos de opiniões. Se formos entrar no campo das noções puramente subjetivas, não haverá muito o que ser discutido sobre esse assunto, em lugar nenhum. Ou vamos começar a considerar o conceito de todo mundo a respeito disso? O papa, por exemplo, o que será que ele pensa sobre a quantidade ideal de parceiros? Ops, parceiras. Ou melhor, parceira. Esqueci que, pra ele, essa coisa de “homossexualismo” (sic) é imoral também, bem como qualquer fora de relação sexual fora de um matrimônio, que tem que obrigatoriamente durar pra sempre. Bem se pode notar daí que assumir certas subjetividades como universais traz um belo pacote de baboseiras a tiracolo…
É justamente pelo sexo entre iguais ser considerado “errado” que sofremos preconceito. Mas parece difícil demais que a maioria das pessoas perceba que preconceitos andam de maos dadas e são filhos dos mesmos pais. Nada seria mais natural, nesse contexto, que assumir que defender a liberdade de conduta sexual colabora para uma visão de mundo em que não haja formas erradas de se ter prazer entre dois ou mais adultos conscientes, e que isso não é algo a ser feito pelas metades.
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Ainda se pode ressaltar como curioso e sarcástico (eu nem vou dizer que é uma ironia da vida, porque o escárnio do termo “sarcasmo” me parece mais apropriado) que a rejeição à promiscuidade e mais todo o conjunto de tabus sexuais acabem tendo um efeito contraproducente em relação a seus objetivos. Sim, porque se você compartimenta o sexo humano e diz “não pode”, você reprime o desejo e apenas contribui para que sua vazão seja mais forte posteriormente. Isso atrapalha até mesmo os relacionamentos que parodiam o sonho do príncipe com cavalo branco. Já vi muitas pessoas fazendo toda uma imitação de relacionamento afetivo unicamente para poderem ter sexo, incapazes de serem francas sobre suas reais intenções, tudo em nome do respeito a essa moral segundo a qual sexo é uma coisa safada e suja. A Hipocrisia se regozija, enquanto as pessoas persistem em não descobrirem que a moral, apesar de suas origens na coletividade, na tradição, só pode subsistir no âmbito do individual.
Creditos By: http://homofobiajaera.wordpress.com

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