23 agosto 2012

Do armário para a poesia

Dieison Marconi


(Conversas com Felipe Freitag)
Lembro quando você falou: dentro do armário só tem bolor e naftalina, vem já pra fora meu bem, que só aqui é que tem calor e adrenalina.” (  Armário/ Zeca Baleiro) 
Felipe me diz: 
 Me assumi após um período um tanto longo e adverso de assexualidade, justamente, pelo fato de não poder experenciar a minha sexualidade de maneira integral, e diria, até fundamental na cidadezinha onde morava. Com a ajuda, ou melhor, com a espécie de anjo abençoado que surgiu na minha vida em 2008, comecei a criar coragem para as tentativas mais dolorosas que até então povoavam as minhas inquietações. Aos 20 anos, com espaço e tempo definidos, dei meu primeiro beijo, e o mesmo já fora com um menino. Por que razão assumi-me? Simples, embora complicado: chega-se a certo ponto, em que vivenciar a sexualidade é motivo de felicidade enobrecida.
“Se estas paredes falassem, se contassem cada vez que sonhei viver em outro lugar, onde Marte ama Marte, e Vênus pode passear de mãos dadas com Vênus, sem se preocupar." (Dance of days)
 O maior problema em face da minha homossexualidade, sem dúvida adveio da minha família e das pessoas da minha cidadezinha de 3 mil habitantes, pois, meus amigos aceitam-me. Também acredito que as dificuldades em aceitar-me como homossexual tenham surgido tão somente com a minha criação católica, que me levava a crer no conceito de pecado, e também do não conhecimento de outros homossexuais com quem eu pudesse conversar para tentar entender o que se passava comigo.
 "Muitas vezes perdi-me pelo mar, como me perco nos corações de alguns meninos" (Garcia Lorca)
Minha mãe descobriu a minha homossexualidade, como que por acaso, um acaso consciente, na verdade, já que ela leu meu diário em 2009, sem a minha permissão.  A reação dela foi péssima, pois sua vida sempre fora guiada pelos conceitos e dogmas católicos, talvez seja tão somente o motivo de considerar a homossexualidade um pecado que fez com que minha mãe chorasse muito e não aceitasse minha sexualidade. Já meu pai desconhece a minha orientação sexual, ou finge desconhecer. Já meu irmão, turrão e rude, não me aceita.  Inclusive, o maior preconceito que já sofri foi agressão física por parte do meu irmão, embora as agressões verbais sempre tenham doído muito em mim. 
Atualmente, todos os membros da minha família deixam a minha sexualidade na ordem do silêncio, procuram não tocar no assunto, embora, tenha conhecimento dela e da vivência dela. O fato de eu não morar mais com a minha família favorece essa compreensão velada por parte deles.
Sempre me senti meio menino”, e chegou uma época que eu tentei mudar, mas não consegui, eu tentava “ficar” com meninos, mas não dava certo, eu não me sentia feliz.  Eu sou mulher e gosto de mulher. (Em uma outra conversa com uma amiga)
Mas mudou muita coisa depois que eu me assumi: eu pude ter razões para idealizar um futuro ao lado de um companheiro, eu pude descobrir o sexo, eu pude começar a não esconder meus gostos, eu pude deixar de lado o receio em ser o que eu sou. Mas principalmente: eu pude militar na causa, da minha, maneira, mas pude, e ainda posso. E essa minha maneira de militar é a minha literatura. Como “escritor” fui um dos selecionados para compor uma coletânea de contos homoafetivos em 2009, que fora publicado na Bienal do livro de São Paulo. E ainda, o fato de eu tencionar às vezes o amor homossexual em meus contos e poemas é a minha forma de militância: 

Lesmas.
Lesmas bailarinas aquelas que escorregavam pelo meu pau já duro.
Lesmas e gosmas, gosmas misturadas. Leite e sal.
Lesmas que valsavam ao ver aquele putinho de cachecol na esquina da avenida Roraima
Somente lesmas, apenas lesmas.
E as gosmas a se misturar, e o cheiro a se confundir.
E um dia, as gosmas eram quatro.
As minhas e as dele.
Não do putinho com cachecol, mas do moço da loja.
E eu percebi que as gosmas eram tão parecidas.
Que as gosmas leitosas, esbranquiçadas- eram gosmas de amor?
E as lesmas valsam, valsam e nada se entende disso a que chamam de amor.
Lesmas. 
(Felipe Freitag)

9 comentários:

  1. Você fez uma transição legal entre a informação e a poesia. Ficou poético o seu texto. E os trechos de poema foram muito bem escolhidos, lindos por sinal.
    Apesar de estranho..esse último poema é bonito... muito bonito.
    bjs Marc

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  2. Realmente este último é bonito e safado, numa safadeza gostosa de ler. Adoro poemas com tendências eróticas.
    A sexualidade é uma transição poética, nessa jornada vamos nos conhecendo e aproximando de nós como nunca antes, as histórias de descobertas são semelhantes em maiorias dos casos e ao ler esse texto lembrei do meu trajeto até hoje, hoje assumido e lhe dando bem com as pessoas ao meu redor.
    Abraços e bjus!!

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  3. que texto legal! muito legal mesmo!

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  4. Maravilhoso como sempre. Viciante este blog...rs.

    Beijos e lindo fim de semana.

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  5. Uau, muito bom! O texto é inspirador e ainda dá cor a vida de outras pessoas na mesma situação. Belíssimo!

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  6. Muito legal esse seu texto, me identifiquei em algumas partes e acho que muitos leitores também :)

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  7. gostei do texto, dieison, e do modo como foi intercalado. abraços!

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  8. Muito bom o seu texto, gostei da forma como você amarrou ele com esses fragmentos.

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