03 maio 2012

O dia, o mofo e o moço loiro

Dieison Marconi
                      
           Escrever aqui no Para Ladys tem sido de alguma forma, um escape entre as matérias jornalísticas que tenho de entregar até Quarta-feira e também entre as novas pautas que tenho de começar a trabalhar na Sexta, afora outros trabalhos acadêmicos.  Digo isso, pelo motivo de que escrever um texto que fuja um pouco dos textos acadêmicos é sempre bom, é sempre novo, sempre diferente. Escrever um conto, por exemplo, é desmistificante: é como ver histórias e personagens nascerem e frutificarem ao longe de onde foram plantadas, afinal, de onde elas surgem realmente? Dos momentos que você vive atualmente ou de qualquer história quase esquecida no teu inconsciente? Por isso, hoje resolvi trazer um conto pra vocês, que se chama O dia, o mofo e o moço loiro. Espero que gostem! 
                                                  
Acordou. Simplesmente acordou. Essa talvez  seria  a sua única atitude  positiva do dia. O resto seria todo de negativas. Não, não havia  lido  nenhum capitulo  de  negativas  de algum  escritor  mestre do realismo  brasileiro. Não, no máximo lia rótulo  de cerveja, nomes de  cigarros,  nome de  cachaça  e lia também os olhares  que os  homens  do  bar voltavam-se  para  suas pernas, bunda  e  seios.   Acordava bem. Mas  a partir  daí,  era   levantar da  cama  para  as coisas  irem  desandando, desandado... Dormia  nua  e nem  se importava  com o frio  sulino que mofava  a parede e o teto branco  do quarto. Quarto feio  aquele. As paredes  brancas mofadas em dias de chuva transpiravam um água lenta, quase  verde. Seus móveis, um guarda-roupa velho quebrado com recortes de revistas antigas.  Um guarda-roupa que era de uma tia  encalhada e que lhe dera  de presente  olhando  para  seus  seios   que apontavam crescendo  por dentro  de um vestido quase transparente, um vestido velho  e também   dado.  Dormia nua sob um lençol e mais um edredom que cheirava a mofo, uma mistura  de cansaço, frio  e suor.     
             
 Era acordar, vestir-se e ir para o bar.  Era sábado, 8:30  da manha e  ela  já podia  ouvir  os clientes  chegando, uns  já  vinham bêbados, já haviam  brigado  em casa, outros  iam  beber  e depois  iam  pra casa bater na  mulher. Outros vinham atrás de mulher, outros  vinham  atrás  dela e com  desejo  de  besta  passavam as mãos  nas suas pernas, olhavam  para  seus  seios  ao servir  a  mesa. E  ela olhava  para  eles também. As vezes perdia-se  olhando  para  aqueles  homens bêbados, aqueles  estereótipos  mesmo: camiseta  aberta e fedendo  a cigarro  e a bebida, camiseta  aberta  mostrando um peito cabeludo  também  fedendo  a cigarro, bebida, deboche, desejo. Ela vestia-se. Colocava um vestido. Colocava o vestido lembrando de quem falava  que ela  usava  vestidos apenas  pra  se mostrar  aos homens. Havia  conversa também  de que quando era  mais  jovem fazia  programa. Mas no fundo, ninguém sabia se  no passado  ela havia  sido  prostituta  ou  não. A única  certeza  que  tinham era  que  ela  era  a dona  daquele bar de esquina,  que  servia  a mesa  de um bando de  macho bêbado.  Mas ela, colocando o vestido, olhava para o espelho e orgulhava-se com um  riso de canto e com  olhos amarelos  e  duros, de que  nenhum  homem  daquele bar  tinha feito  sexo  com ela, não havia ido pra cama  com nenhum deles.  

É que esperava alguém.  Esperava quem sabe um moço loiro, de  dentes  brancos  e sorriso largo. Mas como ia encontrá-lo? Ela mofada e amarela, fedendo  a mofo, cigarro, suor  e bebida  dentro  daquele bar...  Aquele  bar  não era lugar  de moço loiro  com dentes  brancos, e  se fosse, ele ficaria  que  nem ela:  loira, mas  suja, suja  e  mofada. Ela não gostava  dos dias, eram os mesmos  copos, os  mesmos  bancos, os  mesmos  rostos de sempre, mas  sempre, o mesmo  cheiro , o  mesmo  ar. E quando  vinha  a noite, apenas  se  acrescentava  a preocupação de  alguma briga  entre aqueles  homens  fedorentos.  Mas vinham mulheres  também. Organizavam-se e  vinham, bebiam, falavam  alto e gritavam  pedindo  mais  bebida. Quando  isso acontecia, principalmente  nas sextas  e  sábados, ela  chamava  dois  meninos pra  ajudá-la  no atendimento.  E  acostumava-se  a  tudo aquilo, cansada  e  mofada  de tudo, mas  acostumada.  As  vezes, um  dos rapazinhos  que  lhe ajudava  a  servir  as mesas  nos  dias  de maior  movimento  lançava-lhe  uns olhares agudos e “apaixonados”, os  quais ela ignorava  sorrindo.  Não se interessava por ninguém, exceto pelo  moço loiro  de dentes  brancos.  

Mas sentia  falta  de homem, sentia falta  de sexo.  Teve  poucos namorados  antes de  montar “aquilo   ali”, mas desconectada, não ficava  com ninguém, não conseguia, fugia. Mas aí,  a noite  em sua  cama  enfiava os  dedos  em seu sexo  até  sentir  um  quase- prazer, um  quase orgasmo, um quase  tudo.  Depois  tirava  os  dedos  úmidos  e chorava. Hoje  masturba-se  gemendo  comprimindo  a mão     dentro do sexo  entre  as pernas  e tudo  bem. Tudo bem, até vir o dia, e vem, vem, vem mofado e  amarelo.  A noite  mofada e  escura  sem o  moço  loiro  de dentes  brancos. Há muito não fala com os pais. Imaginava  eles  a  chamando de puta, vagabunda.  Mas  não se  importava.  Um   de seus  irmãos, o mais  novo  dos  meninos  lhe telefonara  em uma daqueles semanas passadas, bem  passadas. Estava morando na capital. Casado. Com outro homem. Estava trabalhando. Queria adotar uma criança. Estava Fe-liz. E Perguntou  como ela estava, disse  também que sentia saudades dela.  Ela falou pouco, intervinha  pouco  na fala  do irmão, não  se expressou nem feliz, nem alegre, nem triste.  Mas havia tempo  que  alguém  não dizia  que  sentia  saudades  dela. Quando o irmão  desligou o telefone, ela  ainda permaneceu  com o  aparelho  colado ao rosto, esquecida. 

Quando  voltou, pensou  apenas  que  alguém  andava  feliz.  Falava pouco com seus outros irmãos. Uma continuava morando com os pais, casada, chifruda, com filhos.  O outro  irmão  as vezes  até  aparecia  por  ali.  Trabalhava, tinha um carro  bacana, tinha  um  sorriso jovial. Casado. A esposa era um coisa  magricela  que  sorria demais. Não eram ricos, não eram pobres.  Ela  não  era  rica, ela  não  era  tão pobre. Mas  só  ela era mofada. Mofada e  amarela, suja  e mofada.   Sonhava pouco,  dormia  muito  a  noite. Mas  das raras vezes  que sonhava, acordava, ia pra  cozinha  e tomava  um copo d`água. Gosto  de ferrugem  com resto  de  sonho.  Já sonhara  que passava na banca  do  senhor Marcinho e  comprava  aqueles  livros  com uma  capa  bem desenhada , com títulos grandes  e redondos e   que contavam   histórias  de gente  loira  que se  amava. Mas não de gente loira encardida que nem ela.  Sempre pensou  em  comprar  um  livro daqueles.  Mas desistia  sempre da idéia  como  uma criança que recusa um doce. Certo dia o livreiro lhe deu um livro de uma tal de Hilda Hilst.  Gostou do título (Contos de Escárnio) e começou a ler. Lia com dificuldade, mas de repente, como se transportada para outra esfera que não aquela que vivia diariamente, encontrava contida nas páginas do livro, revivendo a cena:  “compre manteiga. Passe-a nos dedos. (Esqueça-se de Marlon Brando.) Chupe-os. E diga em tom de oração: que vida solitária, meu Deus. (Contenha-se)." 

Ela não sabia direito quem era Marlon Brando, mas por qual móvito ela não poderia dar um gosto mais literário pra vida? Mas eram sonhos. E as vezes  sonhava com sexo , com algum  homem  do bar. E por isso, sentia-se bem  quando  esquecia  dos  seus  raros  sonhos.  Quando  acordava  sobre saltada por  um  sonho,  sentia  algo  entalado  na garganta. Talvez  fosse  choro, talvez  fosse raiva, talvez  fosse  mofo.  Tomava água  com gosto  de   ferrugem. Ia pra cama. Amanha  ia acordar.  Acordou. Simplesmente acordou. Essa  talvez  seria  a sua única atitude  positiva do dia. O resto seria  todo  de negativas. Não, não  havia  lido  nenhum capitulo  de  negativas  de algum  escritor  mestre do realismo  brasileiro. Não, no máximo lia rótulo  cerveja, nomes de  cigarros,  nome de  cachaça  e lia também os olhares  que os  homens  do  bar voltavam-se  para  suas pernas, bunda  e  seios.   Acordava  bem. Mas  a partir  daí,  era   levantar da  cama  para  as coisas  irem  desandando, desandando...

7 comentários:

  1. posso ser bem crítico? kd parágrafo?

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  2. Na sinceridade não li por que é muito grande, mas deve ser legal. Quando tiver tempo eu leio.
    bjos

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  3. Ai, desculpe, mas a minha labirintitchi e minha paciência me impedem de ler essa fábula. Eu declino. Bjo

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  4. Com muito folego consegui ler todo ele, muito bom :)

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  5. gsotei pareçeu uma boa fusão de jorge amado comm caio fernando abreu :D

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