Dieison Marconi
Escrever aqui no Para Ladys tem sido de alguma forma, um escape entre as
matérias jornalísticas que tenho de entregar até Quarta-feira e também entre as
novas pautas que tenho de começar a trabalhar na Sexta, afora outros trabalhos
acadêmicos. Digo isso, pelo motivo de que escrever
um texto que fuja um pouco dos textos acadêmicos é sempre bom, é sempre novo,
sempre diferente. Escrever um conto, por exemplo, é desmistificante: é como ver
histórias e personagens nascerem e frutificarem ao longe de onde foram
plantadas, afinal, de onde elas surgem realmente? Dos momentos que você vive
atualmente ou de qualquer história quase esquecida no teu inconsciente? Por
isso, hoje resolvi trazer um conto pra vocês, que se chama O dia, o mofo e o moço loiro. Espero que gostem!
Acordou. Simplesmente acordou. Essa
talvez seria a sua única atitude positiva do dia. O resto seria todo de
negativas. Não, não havia lido nenhum capitulo de negativas de algum
escritor mestre do realismo brasileiro. Não, no máximo lia rótulo de cerveja, nomes de cigarros,
nome de cachaça e lia também os olhares que os
homens do bar voltavam-se para
suas pernas, bunda e seios.
Acordava bem. Mas a partir daí,
era levantar da cama
para as coisas irem
desandando, desandado... Dormia
nua e nem se importava
com o frio sulino que mofava a parede e o teto branco do quarto. Quarto feio aquele. As paredes brancas mofadas em dias de chuva transpiravam
um água lenta, quase verde. Seus móveis,
um guarda-roupa velho quebrado com recortes de revistas antigas. Um guarda-roupa que era de uma tia encalhada e que lhe dera de presente
olhando para seus
seios que apontavam
crescendo por dentro de um vestido quase transparente, um vestido
velho e também dado.
Dormia nua sob um lençol e mais um edredom que cheirava a mofo, uma
mistura de cansaço, frio e suor.
Era acordar, vestir-se e ir para
o bar. Era sábado, 8:30 da manha e
ela já podia ouvir
os clientes chegando, uns já
vinham bêbados, já haviam
brigado em casa, outros iam
beber e depois iam
pra casa bater na mulher. Outros
vinham atrás de mulher, outros
vinham atrás dela e com
desejo de besta
passavam as mãos nas suas pernas,
olhavam para seus
seios ao servir a
mesa. E ela olhava para
eles também. As vezes perdia-se
olhando para aqueles
homens bêbados, aqueles
estereótipos mesmo: camiseta aberta e fedendo a cigarro
e a bebida, camiseta aberta mostrando um peito cabeludo também
fedendo a cigarro, bebida,
deboche, desejo. Ela vestia-se. Colocava um vestido. Colocava o vestido
lembrando de quem falava que ela usava
vestidos apenas pra se mostrar
aos homens. Havia conversa
também de que quando era mais
jovem fazia programa. Mas no
fundo, ninguém sabia se no passado ela havia
sido prostituta ou
não. A única certeza que
tinham era que ela
era a dona daquele bar de esquina, que
servia a mesa de um bando de
macho bêbado. Mas ela, colocando
o vestido, olhava para o espelho e orgulhava-se com um riso de canto e com olhos amarelos e
duros, de que nenhum homem
daquele bar tinha feito sexo
com ela, não havia ido pra cama
com nenhum deles.
É que esperava
alguém. Esperava quem sabe um moço
loiro, de dentes brancos
e sorriso largo. Mas como ia encontrá-lo? Ela mofada e amarela,
fedendo a mofo, cigarro, suor e bebida
dentro daquele bar... Aquele
bar não era lugar de moço loiro com dentes
brancos, e se fosse, ele
ficaria que nem ela:
loira, mas suja, suja e
mofada. Ela não gostava dos dias,
eram os mesmos copos, os mesmos
bancos, os mesmos rostos de sempre, mas sempre, o mesmo cheiro , o
mesmo ar. E quando vinha
a noite, apenas se acrescentava
a preocupação de alguma
briga entre aqueles homens
fedorentos. Mas vinham
mulheres também. Organizavam-se e vinham, bebiam, falavam alto e gritavam pedindo
mais bebida. Quando isso acontecia, principalmente nas sextas
e sábados, ela chamava
dois meninos pra ajudá-la
no atendimento. E acostumava-se
a tudo aquilo, cansada e
mofada de tudo, mas acostumada.
As vezes, um dos rapazinhos que
lhe ajudava a servir
as mesas nos dias
de maior movimento lançava-lhe
uns olhares agudos e “apaixonados”, os
quais ela ignorava sorrindo. Não se interessava por ninguém, exceto
pelo moço loiro de dentes
brancos.
Mas sentia falta
de homem, sentia falta de sexo. Teve
poucos namorados antes de montar “aquilo ali”, mas desconectada, não ficava com ninguém, não conseguia, fugia. Mas
aí, a noite em sua
cama enfiava os dedos
em seu sexo até sentir
um quase- prazer, um quase orgasmo, um quase tudo.
Depois tirava os
dedos úmidos e chorava. Hoje masturba-se
gemendo comprimindo a mão
dentro do sexo entre as pernas
e tudo bem. Tudo bem, até vir o
dia, e vem, vem, vem mofado e
amarelo. A noite mofada e
escura sem o moço
loiro de dentes brancos. Há muito não fala com os pais.
Imaginava eles a
chamando de puta, vagabunda. Mas não se
importava. Um de seus
irmãos, o mais novo dos
meninos lhe telefonara em uma daqueles semanas passadas, bem passadas. Estava morando na capital. Casado.
Com outro homem. Estava trabalhando. Queria adotar uma criança. Estava Fe-liz. E Perguntou como ela estava, disse também que sentia saudades dela. Ela falou pouco, intervinha pouco
na fala do irmão, não se expressou nem feliz, nem alegre, nem
triste. Mas havia tempo que
alguém não dizia que
sentia saudades dela. Quando o irmão desligou o telefone, ela ainda permaneceu com o
aparelho colado ao rosto,
esquecida.
Quando voltou, pensou apenas
que alguém andava
feliz. Falava pouco com seus
outros irmãos. Uma continuava morando com os pais, casada, chifruda, com
filhos. O outro irmão
as vezes até aparecia
por ali. Trabalhava, tinha um carro bacana, tinha
um sorriso jovial. Casado. A
esposa era um coisa magricela que
sorria demais. Não eram ricos, não eram pobres. Ela
não era rica, ela
não era tão pobre. Mas só ela
era mofada. Mofada e amarela, suja e mofada.
Sonhava pouco, dormia muito
a noite. Mas das raras vezes que sonhava, acordava, ia pra cozinha
e tomava um copo d`água.
Gosto de ferrugem com resto
de sonho. Já sonhara
que passava na banca do senhor Marcinho e comprava
aqueles livros com uma
capa bem desenhada , com títulos
grandes e redondos e que contavam histórias
de gente loira que se amava. Mas não de gente loira encardida que
nem ela. Sempre pensou em
comprar um livro daqueles. Mas desistia
sempre da idéia como uma criança que recusa um doce. Certo dia o
livreiro lhe deu um livro de uma tal de Hilda Hilst. Gostou do título (Contos de Escárnio) e começou a ler. Lia com dificuldade, mas de
repente, como se transportada para outra esfera que não aquela que vivia
diariamente, encontrava contida nas páginas do livro, revivendo a cena: “compre manteiga. Passe-a nos dedos. (Esqueça-se de Marlon Brando.) Chupe-os. E diga em tom de oração: que vida solitária, meu Deus. (Contenha-se)."
Ela não sabia
direito quem era Marlon Brando, mas por qual móvito ela não poderia dar um
gosto mais literário pra vida? Mas eram sonhos. E as vezes sonhava com sexo , com algum homem
do bar. E por isso, sentia-se bem
quando esquecia dos
seus raros sonhos.
Quando acordava sobre saltada por um
sonho, sentia algo
entalado na garganta. Talvez fosse
choro, talvez fosse raiva,
talvez fosse mofo.
Tomava água com gosto de
ferrugem. Ia pra cama. Amanha ia
acordar. Acordou. Simplesmente acordou.
Essa talvez seria
a sua única atitude positiva do
dia. O resto seria todo de negativas. Não, não havia
lido nenhum capitulo de
negativas de algum escritor
mestre do realismo brasileiro.
Não, no máximo lia rótulo cerveja, nomes
de cigarros, nome de
cachaça e lia também os
olhares que os homens
do bar voltavam-se para
suas pernas, bunda e seios.
Acordava bem. Mas a partir
daí, era levantar da
cama para as coisas
irem desandando, desandando...
Excelente o conto.
ResponderExcluirParabéns!
posso ser bem crítico? kd parágrafo?
ResponderExcluirNa sinceridade não li por que é muito grande, mas deve ser legal. Quando tiver tempo eu leio.
ResponderExcluirbjos
Muito legal!!
ResponderExcluirAi, desculpe, mas a minha labirintitchi e minha paciência me impedem de ler essa fábula. Eu declino. Bjo
ResponderExcluirCom muito folego consegui ler todo ele, muito bom :)
ResponderExcluirgsotei pareçeu uma boa fusão de jorge amado comm caio fernando abreu :D
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