16 agosto 2012

Tá cada vez mais down, down, down


Dieison Marconi          

Há dias em que nada faz muito sentido, e pra mim, já há meses com a minha universidade em greve, estou  tão frustrado com a desatenção que a  educação pública tem recebido que parece hipocrisia da minha parte aceitar um convite de uma antiga professora de ensino médio pra falar com os atuais formandos do terceiro ano sobre Enem, vestibular, ProUni, vida acadêmica, formação profissional, etc.  Parece hipocrisia pois no momento em que fui convidado, pensei:  o que eu vou falar pra esses alunos? Que é importante estudar, galgar sonhos, entrar para uma universidade, lapidar conhecimento, formar-se, e vou até fazer uso daquele clichê que ouvi durante esses meus 19 anos de existência: ser alguém na vida. Falar isso tudo quando estou estudando em uma universidade federal que está com quase três meses em greve, enquanto o governo federal, no auge de sua intransigência, fecha a mesa de negociações, tenta cortar o ponto  dos professores grevistas, ignora o movimento, não atende as exigências do funcionalismo público, pensa apenas em expandir universidades sem estrutura física e humana qualificadas, deixa milhares de alunos sem aula, cerca de 100 universidades e institutos federais em greve, entra em acordo com apenas uma entidade que não representa a categoria dos professores, acha a greve dos docentes algo precitado e não cumpre suas promessas.
Como eu vou falar que educação é importante pra eles quando o próprio governo federal não faz da educação  sua prioridade, mesmo sendo essa um de seus  principais discursos durante sua campanha eleitoral em 2010, quanto temos de travar uma luta pra conseguir, vejam bem, pra conseguir destinar míseros 10% do PIB ao sistema educacional?!  Assim, quando recebi o convite, parecia-me, a todo o momento, que eu não acreditava mais no que eu tinha de lhes dizer. 
Mesmo assim, fui ter a conversa tentando acreditar que a educação, apesar de defasada, vá lá, quem sabe ainda possa  nos abrir os olhos pra não acreditarmos em tudo que nos dizem,  para  não sermos enganados como estamos sendo nesses meses em que temos 33 categorias de trabalhadores em greve, com 300 mil servidores públicos paralisados e o governo diz que atender suas exigências pode quebrar a economia do pais.  Por favor, Ministério da Educação, Ministério do Planejamento e Sra Presidenta, não nos façam de idiotas, não pensem que podemos acreditar nestes argumentos falaciosos, nestas palavras endossadas de hipocrisia, afinal, é como questionou Muniz Sodré esta semana na Carta Capital:  “estas palavras não aparecem nos discursos oficiais sobre os preparativos para a Copa do Mundo ou para as Olimpíadas. Num país que dispõe (neste mês de Agosto) de 376 bilhões de dólares em reservas, paga em dia a dívida externa e é credor do Fundo Monetário Internacional, não se podem invocar os álibis da crise mundial e seu agravamento, mesmo com a redução do PIB.”   
Ok, mas eu fui lá  ter a conversa com os vestibulandos, fomos eu e uma colega.  Resultado: eu não devia ter ido, e no final, além de não estar acreditando no que eu mesmo dizia, voltei pra casa mais desapontando ainda. Por qual motivo? Poucos foram os alunos interessados no que dizíamos, a maioria simplesmente passou cerca de uma hora rindo descaradamente de mim, da minha voz, da minha gesticulação. Os rapazes me olhavam, falavam baixo uns com os outros e riam, simplesmente riam... algumas meninas faziam o mesmo.  Eu ignorei, falei até o final, prestei atenção no que minha colega falava pra aproveitar os ganchos e acrescentar algo mais, no entanto, foi uma situação tão desconfortável, que por vezes, tudo que eu tinha pra falar, se perdia...  De repente, eu só via eles rindo a cada gesto (efeminado) que eu fazia, cada vez que eu abria a boca e falava (com minha voz efeminada), afinal, nada mais justo do quer rir de um gay, não é?! Fiquei me perguntando qual seria a minha expressão facial diante de tudo aquilo. Havia tempo que eu não passava por isso, e confesso, me desestabilizou. 
Foi nesse momento que eu lembrei também  das políticas públicas vetadas pelo governo federal quando pretendiam trabalhar o respeito para com a diversidade de orientação sexual na escola.  O pior: esta escola foi onde eu me formei no ensino médio, onde eu já tinha passado por situações semelhantes. E pior ainda: parece que nada mudou. No final, recusei a carona que uma ex professora me ofereceu até em casa, pois  não queria  falar com mais ninguém, saí na rua e acabei tomando um banho de chuva, fiquei com tanta raiva que ao chegar em casa, desabei chorando, amaldiçoei a escola, aquela gente, a minha cidade natal, enquanto minha irmã me consolava.  Ser motivo de riso por ser gay nunca foi novidade pra mim, mas com as pessoas que eu vivo e convivo atualmente, fazem com que há muito eu não passe por isso.  
Pensei também que a minha sorte é que eu me aceito como gay, estou bem grandinho e sei que esta discriminação não tem qualquer correspondência com verdades históricas ou sociais, apesar de ter chorado frente a situação. Mas e um adolescente ainda no armário por pressões externas, como vai reagir se passar por algo semelhante? Como vai conviver com esses colegas? Sabemos que há aqueles que ( dando um exemplo  radical, mas nem por isso menos verdadeiro) se suicidam ao passar por experiências discriminatórias. Onde, me respondam, onde há políticas públicas para combater o preconceito, a homofobia, a discriminação na escola? Como esses adolescentes vão aprender a conviver e a respeitar as diferenças? Onde ficou perdido o poder transformador da educação, em? Ficou perdido junto a uma remota greve onde o governo ignora totalmente que a educação básica chegou ao fundo do poço ou na subserviência de nossa presidente para com a bancada evangélica? Alias, é no fundo do poço que o governo quer colocar a educação superior, também?
 Eu espero que toda essa minha desilusão seja algo de momento. Quem sabe, naquela Segunda feira, eu só tenha acordado mais sentimental do que de costume.  Só quero que essa greve acabe de uma vez, que eu possa voltar logo pra cidade onde fica a minha universidade. E num desejo mais coletivo: que um dia tudo mude, pra melhor. 

15 comentários:

  1. Diei...nos últimos meses não tinha lido ainda um texto mais lúcido que o seu. Apesar de já fora do mundo acadêmico, concordo com você em todas as observações e protestos. É ridícula a posição do governo frente as reivindicações de uma classe, e pior ainda a falta de consciência para com uma nação de alunos parados.
    Quanto às críticas à sua postura.... esqueça. Quem dera os héteros tivessem sua clareza de pensamento e lucidez frente ao preconceito absurdo que ainda povoa a vida de gays e outras minorias. Você vale mais do risinhos e críticas homofóbicas.
    Texto formidável..formidável.
    Abraços

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    1. Obrigado Margot, fiquei muito feliz com seu comentário. Abraços.

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  2. Meu caro, vim até aqui ver seu texto, a convite da Margot. Tô aqui sensibilizado com sua fala.
    Vou deixar de lado a questão do ensino, greve... Já enfrentei isso como aluno, trocentas vezes, e hoje acompanho a luta de um irmão professor. Governo algum quer educação de verdade nesse Brasil... Vou me ater ao que me parece importante neste momento: sua dor, a dor da não aceitação.
    Você foi lá para tentar fazer uma diferença positiva na vida daquelas crianças quase adultos, e se sentiu ferido. Eu não teria tido sequer a coragem de ir até lá! Você é mais corajoso.
    Que tal pensar o seguinte: você fez o que tinha que fazer, se mostrou, se machucou, mas foi lá e mostrou que alguém como você, que saiu daquela escola, como eles, luta, vence, tem valor, e enfrenta. E certamente terá feito, sim, diferença para alguém lá. Alguém que anônima e silenciosamente te observava. Alguém que talvez se sinta frágil, incapaz de lutar, e, vendo sua coragem diante de todos, diante dos ridículos e desrespeitosos, poderá pensar: ele enfrenta e vence, eu também vou enfrentar. Não pense que foi em vão. E lembre-se, sempre, que você é maior do que todas as dificuldades pelas quais já passou. Não serão essas que vão te desanimar.
    E, depois, você lançou a semente. Aquelas que tiverem caído em solo fértil, e forem bem cuidadas, frutificarão. E um dia poderão repetir a outros o que você fez a elas: o bem, numa corrente infinita.
    Receba meu abraço afetuoso e solidário!
    Você é uma luz no mundo! E a escuridão não gosta de luz!

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    1. Obrigado Alex, fico muito feliz com seu comentário. Abraços.

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  3. Querido, Dieison:

    Posso ser sincero? Meu blog caminha pra 3 anos de idade (ainda é uma criança..rs), eu tenho 35 (um pouco mais que ele...rs), já visitei dezenas de blogs, li centenas de postagens e posso lhe garantir sem medo de errar: esta postagem foi o texto mais bonito que já li.

    Sempre admirei muito as coisas que escreve, acho que você tem realmente um dom especial de escrever. Tenho absoluta certeza que você é um cara incrível de verdade. Não ligue para pessoas ignorantes e imaturas, elas não conhecem a dor do bullying e seus efeitos.

    Quando deitar sua cabeça no travesseiro durma o sono dos justos, por ser quem é, por querer contribuir por um mundo melhor e acima de tudo por ser este cara tão especial que és.

    Um grande beijo e fique sempre com Deus.

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    1. Ah, muito obrigado por tudo que falou. Um grande beijo.

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  4. Parabéns Dieison, seus textos sempre são ótimos, mas esse está excelente!!! Já passei por situações como essa a sua, eu não tenho vergonha de ser gay e me aceito muito bem. Na universidade muitas vezes eu não ia em festas com meus amigos por que sempre tinha pessoas que davam risada descaradamente de mim, e isso me envergonhava, eu não tinha motivo nem um para isso, mas eu ficava constrangido por mim e por meus amigos que certamente tinham pena de mim. Mas isso sempre me fortaleceu, hoje eu não abaixo minha cabaça para ninguém, se em sala de aula alguém faz piada eu digo com todas as letras sou gay, algum problema?
    Quanto as greves, se esperar o que com uma educação pública cada vez mais falida que não se investe em educação e se cria cada vez mais alunos como esses que vc teve que enfrentar, e depois vão para a faculdade com o mesmo pensamento hipócrita contra os gays. E eu que pensei que na faculdade as pessoas seriam mais liberais e mente aberta....

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  5. Muito bom seu texto. É uma vergonha tantas universidades em greve e o governo fechando os olhos. Quanto os alunos na escola, são reflexo da falta de investimento em educação, pessoas sem educação são pessoas limitadas.

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  6. Querido menino... acabei de ler seu texto, aliás muito bem escrito, e não consegui conter as lágrimas. Não porque sou emotiva, não porque sou alguma ingênua e me decepcione fácil com as atitudes humanas. Todos sabemos que a educação nesse país está longe, muito longe de ser sequer levada realmente a sério e não vou ficar discorrendo as misérias e desmando desse e de todos os outros governos anteriores. O que me fez chorar foi imaginar a mágoa, a tristeza, a angústia desse seu coração. Tenho um filho muito amado (assim como os outros 2) que é gay e conheço os passos dessa estrada. Ele hoje também é muito bem resolvido e é muito amado em casa onde o fato dele ser homossexual não faz a menor diferença. Mas acompanho sua trajetória desde que tinha 3 anos de idade, sim, 3 anos de idade e sei o quanto foi e continua sendo difícil devido a ignorância e a pequenez de algumas almas tristes. Estou aqui portanto pra ser solidária na sua indignação, sim, pela educação neste país, mas muito mais pra te oferecer meu carinho virtual esperando que vc não perca a esperança nem se deixe abater. Um beijo carinhoso e convido-o para conhecer meu blog. Vc escreve maravilhosamente, é lúcido, inteligente e sensível e terei orgulho e muito prazer em tê-lo como seguidor.
    Sigo contigo.

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    1. Obrigado por todas essas palavras Caroline, vou seguir sim! Beijos.

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  7. serio.. fiquei com preguiça de ler o seu texto, mas depois de tantos comentários elogiosos eu tive que ler, e realmente foi um texto bem construído e lindo..
    me lembrou do meu tempo de escola e também as varias fala que tenho dentro de sala de aula com os meus amigos que não tenha preconceito e essas coisas...
    abração e continue com esses textos lindos

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  8. eu tenho uma ideia q eu sei que chega tarde pra vc, e tenha certeza que já estive no seu lugar como o que sofria com as piadas e risadas, sempre espero na verdade essa mesma reaçao qndo abro a boca em qualquer lugar até hoje e eu tenho 31 anos.... mas voltando... talvez tivesse funcionado melhor se vc falasse exatamente sobre esta situação que vc estava vivendo, de greve, de falta de perspectiva de uma educação pública de qualidade e etc, tudo que vc sabe e fala muito bem. acho que esta posição sua de insegurança se refletiu na sua postura também e eles viram algo a te atacar.
    tive uma ideia agora que talvez te ajude a fazer algo em relação a isso. vc contou a professora como se sentiu? cobrou dela uma intervenção? se vc falar com ela agora como vc se sentiu pode ser que faça ela abrir os olhos e ajudar um proximo garoto que passe pela mesma situação diante dela.

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  9. Ótima texto, os comentários acima comprovam isso. Lhe dar com piadas é sempre constrangedor no meio acadêmico e no profissional, mas como relatado, com o tempo não ligamos e as vezes passa até despercebido e parece que a sociedade está respeitando compreendendo as diferenças, esperamos que esteja mesmo.
    A educação tem um caminho longo para percorrer nesse Brasil.
    Abraços!!

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  10. Olá...

    Eu vi a indicação do teu texto no blogue da Margot e assim como outros "conhecidos" resolvi dar uma passada por aqui...

    Sem dúvida alguma, um belo texto! Não só porque você soube construí-lo muito bem... mas principalmente porque você nos mostrou como é importante ter dignidade nesses momentos. Mesmo percebendo o que acontecia, você foi até o fim e saiu de cabeça erguida. Não fosse a consciência que você tem de si próprio, estaria provavelmente arrasado.

    Mais tem uma coisa importante.... com certeza, quietinho no meio de todos eles, deveria haver algum garoto inseguro quanto ao que a vida lhe reserva, ou que ainda não se aceita, ... e que viu em você um norte! Viu alguém que estava ali apresentando algo e principalmente que fora convidado a retornar aquele lugar.

    Infelizmente... a maioria não é capaz de fugir do clichê e do óbvio... mas tenho certeza que mesmo entre eles, você fez a diferença!

    Um grande abraço!

    (acho que vale dizer que mesmo nos meus trinta e alguns anos... eu talvez não tivesse a postura que você teve... )

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  11. Eu, como professor, sei bem o que vc está descrevendo... Vivo também um pouco da sua angústia... Mas a gente segue tentando não desabar. Pq é preciso ser forte e resistir, se a gente quiser que isso mude!

    Um abraço!

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